sexta-feira, 18 de julho de 2008

Poema em Linha Reta

Ainda de ferias, mas, como estou me sentindo meio desleixado com o meu blog, decidi dar uma atualizada nele.O poema como podem ver não é meu, mas tem muito a ver com o que penso e sinto.Adoro esse texto, espero que gostem tambem...

Álvaro de Campos

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo.
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó principes, meus irmãos,
Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?
Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?
Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

6 comentários:

Jú Carvalho disse...

AMO esse poema, e Lisbon Revisited tbm. É minha cara, aliás, Álvaro ém eu heterônomio favorito, aliás Fer Pessoa é minha paixão!
Post mais vezes ^^.

Ana Beatriz Frusca disse...

Passa no meu blogue que faço um bom comentario...hahahahahaha!
Tá em greve com meus textos, gio?
Mais tarde passo aí pra comentar.
Beijinho.

Ana Beatriz Frusca disse...

Poema em Linha Reta é um dos grandes poemas da literatura mundial. Fernando Pessoa é duca. Álvaro de Campos, seu heterônimo, autor do poema a seguir, é libriano, segundo o astrólogo Raphael Baldaya - outro heterônimo de Pessoa. Fernando é geminiano, lembra? São muitos num ser só.
Álvaro era um libriano, mas dizia na cara, como verá a seguir. Isso por conta do Urano junto ao Sol - o que o fazia iconoclasta. E também por causa do Capricórnio no Ascendente, fazendo com que Saturno - regente da Cabra - em Virgem, o vigiasse a ser sucinto e preciso. Poema em linha reta é o modo de dizer na cara, somando ao coro dos descontentes aqui deflagrado. Esse poema é um escarro!.
A raiva produz poemas. A rebeldia produz poemas.

Tânia N. disse...

Amamos essa poesia há anos!

kami disse...

Olá!

Sabe que estava morrendo de saudades daqui!
E quanto aos que não confessam, não quer dizer por isso que não sejam...
Nem todos podem ser principes, mais muitos o gostariam tanto que vivem nessa doce ilusão! Confessar aos outros seus defeitos seria tê-los duas vezes....

Bjussssss

Lord of Erewhon disse...

Um dos melhores poemas do primeiro modernismo português - e um poema sábio, cruel como a verdade.